Fui ver recentemente o filme mencionado no título. Tinha interesse em vê-lo porque me pareceu que poderia ter alguns elementos simbólicos e filosóficos que pudessem ter interesse. E, de facto, teve. É um filme leve, com o qual dá para passar um serão agradável (principalmente se a companhia também for agradável, como aconteceu comigo).
Mais uma vez apresenta-se a relação do homem com um mundo mágico, idílico, luminoso. É de notar o contraste entre a cidade cinzenta onde viviam as personagens principais e a paisagem colorida de Narnia. É o brilho próprio da Natureza, quando se manifesta em todo o seu esplendor. Porém, esse mundo começava a mostrar indícios de estar a ser corrompido, pois Miraz, um dos Lordes ambiciona o trono e manda assassinar o legítimo herdeiro. O príncipe herdeiro consegue fugir e encontra refúgio numa floresta onde irá ter contacto com seres mágicos que o irão ajudar.
Muito elementos haveria para comentar, mas hoje focarei aqueles que mostram a relação do homem com a Natureza. Uma das coisas que notei foi quando Lucy, a mais nova dos quatro irmãos que são as personagens principais, pergunta porque é que as árvores estão quietas e não saem do seu sítio. Em Narnia toda a Natureza era viva, não só as árvores se moviam, como também os animais falavam. Porém, devido à guerra e ao conflito todo reino tinha perdido o seu encanto. É explicado a Lucy que os seres mágicos tinham sido perseguidos, e que se esconderam de tal modo que os Telmarinos (humanos de Narnia) pensavam que eles já não existiam. As árvores tinham-se escondido de tal modo no seu interior, que já tinham deixado de se mover. Alguns animais tinham também perdido a sua natureza mágica, tendo-se tornado em animais selvagens agressivos e regidos pelos instintos. Isso é visto quando Lucy tenta falar com um urso (os ursos eram animais afáveis e simpáticos) e é atacada pelo mesmo, sendo salva no último instante por um anão.
A magia começava a desaparecer, em tempos de crise, busca-se somente a sobrevivência, e esquece-se o resto. Nós próprios, humanos, quando passamos por situações difíceis onde não há dinheiro sequer para comer, esquecemos das nossas próprias naturezas humanas e soltamos os instintos, comportando-nos como animais. Basta ver o que acontece quando há uma catástrofe e as pessoas vão logo aproveitar para assaltar as lojas e roubar alimentos. Em Narnia, a acção humana começava a contaminar o mundo, o homem perdia o respeito pela Natureza e pelos seus espíritos regentes. Os seres como os centauros, os minotauros, grifos, etc deixam de ser considerados como elementos necessários ao equilíbrio natural, passam a ser empecilhos ao avanço da «civilização».
É o mesmo que acontece nos dias de hoje quando construimos cidades cada vez maiores e vamos roubando espaço aos animais, sem nos importarmos com o facto de que todos a fauna, e a flora também, ser necessária para o equilíbrio do ecossistema. A evolução do homem é feita à custa da Natureza em seu redor.
É curioso constatar que noutro obra magna da literatura fantástica «O Senhor dos Anéis», também se foque este conflito entre civilização e natureza. É uma obra em que também existem imensos elementos de interesse em termos simbólicos, e que em posts futuros irei apresentar (desde as várias naturezas do homem até ao percurso do heróis, passando pelos processos de iniciação, etc.).
Voltarei a focar outros aspectos em relação com As Crónicas de Narnia, espero que tenham oportunidade de ver o filme, de certeza que irão apreciar pelo seu tom leve e que deixa fluir a imaginação, coisa que o dito «homem civilizado» vai perdendo aos poucos, tornando-se cada vez mais «cinzento» como as cidades em que vive.
2 comentários:
Por vezes algumas das partes mais simbólicas de alguns filmes podem passar-nos ao lado... Ou por desatenção, ou desconhecimento... Mas após ler este texto, sei que quando for ver o filme, irei conseguir interpretar e descodificar melhor a sua estória.
Obrigado por mais este post Rurouni!
È interessante que no teu post refiras a existência de padrões simbólicos comuns entre o Senhor dos Anéis e as Crónicas de Nárnia. De facto os autores conheciam-se eram bons amigos e juntavam-se até frequentemente para poderem trocar ideias. E pelos vistos, a decandência progressiva do "homem de ferro" face à Era da crescente industrialização, e a consequente desvinculação deste com a sua própria natureza e os sentidos subtis que fazem parte dela, seria uma temática que inquietava os dois autores. De facto ambas as obras contêm muitos segredos simbólicos, esotéricos, alguns dos quais permanecem quiçá ainda por desvendar. Quem simplesmente coloca estas obras no campo da ficção fantasiosa ja se deixou provavelemnte contaminar pela elmo do "orador de ferro" tão limitado na sua análise interpretariva, quão pragmático e cirúrgico no seu discurso sem vida...
Enviar um comentário