Conta uma história islâmica o seguinte:
«Um velho sábio foi interrogado sobre a sua trajectória na vida até àquele dia. Ele resumiu em três etapas deste modo: "aos vinte anos tinha uma só oração: meu Deus, ajuda-me a mudar este mundo tão insustentável, tão impiedoso. E durante os vinte anos seguintes lutei como uma fera para terminar por constatar que nada tinha mudado. Aos quarenta anos tinha uma só oração: meu Deus, ajuda-me a mudar a minha mulher, os meus pais e os meus filhos! Durante vinte anos lutei como uma fera para terminar por constatar que nada tinha mudado. Agora sou um velho homem e apenas tenho uma oração: meu Deus, ajuda-me a mudar-me. E eis que o mundo à minha volta muda!"»
Que simples e singela história, mas que profundo é o ensinamento que transmite. Vivemos num mundo em que está na moda realizar acções de voluntariado a vários níveis (social, ecológico, etc.) na busca de mudar o mundo e torná-lo melhor. Porém, um factor que permanece inalterado são as próprias pessoas que realizam esses actos ecológicos. Não me entendam mal, o voluntariado é bom e útil, mas não deixa de ser uma fuga, uma ilusão ou uma casca vazia, se for feito sem uma transformação interior, sem uma entrega verdadeira, como um acto de Amor pela Natureza ou pelo próximo.
De que serve realizar actos de ajuda social em África, por exemplo, se não temos paciência para falar com os nossos vizinhos? De que serve alimentar ou abrigar os mais carenciados se não temos a mesma disposição para ajudar um familiar ou amigo? Muitas vezes estes pormenores escapam à nossa consciência e continuamos a tentar mudar o mundo sem o conseguir. E porquê? Porque talvez esses actos de voluntariado sejam uma maneira de fugirmos de nós mesmos, das nossas frustrações, inseguranças, medos, dúvidas ou sofrimentos. Mudarmos a nós próprios implica vermo-nos sem máscara, com os nossos defeitos e virtudes. Mudarmos a nós próprios implicar abdicar de certos comportamentos, hábitos e pensamentos que nos prendem ao nosso lado egoísta, aquele que persegue a fama, a riqueza, os prazeres sensuais, os bens materiais.
Mudarmos a nós próprios implica tomar consciência das nossas limitações e realizar um esforço para as ultrapassar, significa ter força de vontade, persistência e determinação. É saber viver de acordo com valores, não mentir, não prejudicar os outros, não dar azo a que os desejos se manifestem. É saber controlar os pensamentos e direccioná-los para coisas úteis, é realizar acções benéficas, mas com uma intenção também benéfica. Tudo isto implica um esforço em termos de atenção, porém se conseguirmos isto estaremos prontos para fazer a diferença, pois o mundo em nosso redor é constituído e construído por pessoas e se estas forem um foco de harmonia então a sociedade e o mundo irão ser o reflexo dessa harmonia.
A primeira mudança tem que ser em cada um de nós.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Os enigmas das navegações na Antiguidade - parte I
Desde sempre o mar exerceu um fascínio sobre o Homem. Ele era o «grande desconhecido», a última barreira. O que é que estaria do outro lado das águas? Que terras, que seres é que existiriam para lá desta barreira? Existiriam outros homens? Todas estas perguntas devem ter passado na cabeça do ser humano primitivo quando contemplava as imensas águas que se estendiam à sua frente.
Sempre que se fazem perguntas, há que encontrar respostas e para as descobrir havia que penetrar nesse imenso mistério que era o mar. Foram necessários homens audazes e corajosos que ultrapassaram os seus medos e se arrojaram a aventurar-se nas salinas águas que rodeavam as costas das regiões onde habitavam, descobrindo as suas maravilhas, mas também o seu lado terrível. O filósofo Anarcharsis, do século VI a.C., situa os marinheiros entre os mortos e os vivos pois eles entravam numa dimensão própria, povoada pelos seus fantasmas, pelos seus monstros, por sonhos e pesadelos.O mar exerceu o seu fascínio e o homem não mais o largou. Muitas histórias foram contadas e ainda se contam sobre viagens a sítios longínquos, uns imaginários, outros reais. Muitas aventuras ocorreram, muitas batalhas se travaram, muitos contactos se efectuaram. Neste trabalho abordaremos alguns povos e as histórias das suas navegações, algumas das quais sem grandes relatos e mergulhadas nas brumas do mistério. Os fenícios realizaram alguma viagem de circum-navegação ao continente africano? Estiveram os vikings na América antes de Colombo? E o que dizer sobre a presença chinesa nas costas de África? Eis algumas das perguntas às quais tentaremos dar, não respostas definitivas, mas algumas chaves para abrir algumas portas.
Os fenícios, um povo de marinheiros
O primeiro povo com grande vocação marinheira foi o fenício. A sua história começou nas montanhas do Kurdistão, onde se dedicavam à pastorícia. Num momento difícil de precisar na História, mas antes do III milénio a.C., aproveitando uma grande vaga migratória que abandonava a região, saíram dessas terras e mudaram-se para as planícies da Mesopotâmia, onde acabaram por não permanecer por muito tempo, seguindo com o corpo principal dos cananitas para as costas do Golfo Pérsico. Aí instalados iriam abandonar a pastorícia e enveredar pela via marítima. Thomas Crawford Johnston, apoiando-se nas referências de Plínio e Estrabão, situa-os nas Ilhas do Bahrein nos inícios do III milénio a.C. Foi o primeiro entreposto que montaram aproveitando o facto de se encontrarem localizados entre dois grandes centros comerciais da época, a Mesopotâmia e a Arábia, para além de estarem no ponto onde confluíam as rotas das caravanas.
A cidade de Gerha, situada na baía das Ilhas do Bahrein, tornou-se numa das mais ricas do mundo antigo. Os fenícios, porém, tinham interesse em estender a sua influência comercial para outros territórios e fizeram incursões nas costas que ladeavam o Golfo Pérsico, explorando para Sul as costas da actual Omã e seguindo posteriormente em direcção a Sudoeste chegando a territórios do Iémen. Para Leste teriam tido contacto com o actual Irão, podendo até mesmo ter chegado ao Paquistão e à Índia.
O seu imenso poderio comercial fez florescer um espírito de animosidade nos seus dois grandes vizinhos, a Babilónia e a Arábia, forçando os fenícios, que não eram um povo guerreiro, a irem abandonado a região em sucessivas vagas. Mudaram-se para as costas de Canãa, no actual Líbano, onde fundaram as cidades de Tiro, Biblos e Sídon. Novos horizontes comerciais se abriram e eles aproveitaram a oportunidade. Várias cidades foram sendo fundadas ao longo das costas norte-africanas do Mediterrâneo, mas cada uma delas mantendo a sua autonomia.Aproveitando a madeira do cedro do Líbano construíram barcos robustos e resistentes, ideais para longas navegações. O principal barco comercial possuía um casco largo e dependia mais da navegação à vela do que com remos. O seu interior era amplo para que pudesse albergar bastante mercadoria. Posteriormente, evoluíram para um barco que tinha, tanto à popa como na proa, traves firmes que lhe davam resistência, tendo um remo atrás para poder manobrar melhor a embarcação.
O Mediterrâneo começava a ser insuficiente para os fenícios. Eles aventuraram-se até às Colunas de Hércules e ultrapassaram-nas chegando até à Grã-Bretanha, de onde traziam metais para casa. Durante muitos séculos eles mantiveram as rotas do estanho secretas para os outros povos. A própria costa ocidental africana deve ter sido exploradas por estes intrépidos mercadores. Mas teria sido esse o limite?
Sempre que se fazem perguntas, há que encontrar respostas e para as descobrir havia que penetrar nesse imenso mistério que era o mar. Foram necessários homens audazes e corajosos que ultrapassaram os seus medos e se arrojaram a aventurar-se nas salinas águas que rodeavam as costas das regiões onde habitavam, descobrindo as suas maravilhas, mas também o seu lado terrível. O filósofo Anarcharsis, do século VI a.C., situa os marinheiros entre os mortos e os vivos pois eles entravam numa dimensão própria, povoada pelos seus fantasmas, pelos seus monstros, por sonhos e pesadelos.O mar exerceu o seu fascínio e o homem não mais o largou. Muitas histórias foram contadas e ainda se contam sobre viagens a sítios longínquos, uns imaginários, outros reais. Muitas aventuras ocorreram, muitas batalhas se travaram, muitos contactos se efectuaram. Neste trabalho abordaremos alguns povos e as histórias das suas navegações, algumas das quais sem grandes relatos e mergulhadas nas brumas do mistério. Os fenícios realizaram alguma viagem de circum-navegação ao continente africano? Estiveram os vikings na América antes de Colombo? E o que dizer sobre a presença chinesa nas costas de África? Eis algumas das perguntas às quais tentaremos dar, não respostas definitivas, mas algumas chaves para abrir algumas portas.
Os fenícios, um povo de marinheiros
O primeiro povo com grande vocação marinheira foi o fenício. A sua história começou nas montanhas do Kurdistão, onde se dedicavam à pastorícia. Num momento difícil de precisar na História, mas antes do III milénio a.C., aproveitando uma grande vaga migratória que abandonava a região, saíram dessas terras e mudaram-se para as planícies da Mesopotâmia, onde acabaram por não permanecer por muito tempo, seguindo com o corpo principal dos cananitas para as costas do Golfo Pérsico. Aí instalados iriam abandonar a pastorícia e enveredar pela via marítima. Thomas Crawford Johnston, apoiando-se nas referências de Plínio e Estrabão, situa-os nas Ilhas do Bahrein nos inícios do III milénio a.C. Foi o primeiro entreposto que montaram aproveitando o facto de se encontrarem localizados entre dois grandes centros comerciais da época, a Mesopotâmia e a Arábia, para além de estarem no ponto onde confluíam as rotas das caravanas.
A cidade de Gerha, situada na baía das Ilhas do Bahrein, tornou-se numa das mais ricas do mundo antigo. Os fenícios, porém, tinham interesse em estender a sua influência comercial para outros territórios e fizeram incursões nas costas que ladeavam o Golfo Pérsico, explorando para Sul as costas da actual Omã e seguindo posteriormente em direcção a Sudoeste chegando a territórios do Iémen. Para Leste teriam tido contacto com o actual Irão, podendo até mesmo ter chegado ao Paquistão e à Índia.
O seu imenso poderio comercial fez florescer um espírito de animosidade nos seus dois grandes vizinhos, a Babilónia e a Arábia, forçando os fenícios, que não eram um povo guerreiro, a irem abandonado a região em sucessivas vagas. Mudaram-se para as costas de Canãa, no actual Líbano, onde fundaram as cidades de Tiro, Biblos e Sídon. Novos horizontes comerciais se abriram e eles aproveitaram a oportunidade. Várias cidades foram sendo fundadas ao longo das costas norte-africanas do Mediterrâneo, mas cada uma delas mantendo a sua autonomia.Aproveitando a madeira do cedro do Líbano construíram barcos robustos e resistentes, ideais para longas navegações. O principal barco comercial possuía um casco largo e dependia mais da navegação à vela do que com remos. O seu interior era amplo para que pudesse albergar bastante mercadoria. Posteriormente, evoluíram para um barco que tinha, tanto à popa como na proa, traves firmes que lhe davam resistência, tendo um remo atrás para poder manobrar melhor a embarcação.
Mais tarde apareceu um outro tipo de barco cujo casco era baixo e que possuía um mastro com uma larga vela rectangular reforçada com cintas de couro. O casco era utilizado para transportar água potável dentro de ânforas tapadas com rolhas, sendo o deck de cima utilizado para transportar remessas importantes. Devido à sua natureza também militar a proa estava protegida por ferro para que a embarcação não fosse danificada no caso de impacto com um navio inimigo.
O Mediterrâneo começava a ser insuficiente para os fenícios. Eles aventuraram-se até às Colunas de Hércules e ultrapassaram-nas chegando até à Grã-Bretanha, de onde traziam metais para casa. Durante muitos séculos eles mantiveram as rotas do estanho secretas para os outros povos. A própria costa ocidental africana deve ter sido exploradas por estes intrépidos mercadores. Mas teria sido esse o limite?
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Filosofia e Vocação
O primeiro pensamento que pode vir à cabeça de muita gente é: «pode existir uma relação entre estes dois elementos?». E eu respondo: «Sim, pode.»
Para isso teremos que entender os conceitos. Em primeiro lugar: Filosofia. A primeira vez em que se pronunciou a palavra «filósofo» aconteceu na Grécia, pela boca de Pitágoras. Antes dele, aqueles que buscavam o conhecimento, que se questionavam sobre as leis naturais, a origem do universo, etc., eram chamados de «sophos» - sábios -. Eles, de facto, possuíam muita sabedoria, porém essa mesma sabedoria era um pouco complexa, pelo que era de difícil compreensão para a grande maioria das pessoas. Podemos encontrar um exemplo destes sábios em Parménides, Anaximandro, Anaxímenes ou Demócrito.
Pitágoras procurou realizar as coisas de um modo diferente. Ele quis tornar o conhecimento mais acessível ao povo, pois este também tinha questões para as quais não encontrava resposta. Um dia, quando questionado sobre se seria um sábio ele respondeu que não era, sendo antes um «philo sophos», ou seja, um amigo ou enamorado da sabedoria.
Quando qualquer ser humano ama alguém realiza todos os esforços para poder estar com a pessoa amada. Do mesmo modo, o filósofo procura alcançar a Sabedoria, não se poupando a esforços para ultrapassar os obstáculos que possam impedi-lo de alcançar o seu objectivo.
Filosofia seria, então, Amor à Sabedoria e está longe de ser essa disciplina teórica, que somente questiona sem encontrar soluções para os problemas. Não! A Filosofia questiona, mas com sentido, com uma finalidade e esse objectivo é eminentemente prático. E o primeiro elemento prático que a Filosofia nos proporciona é o conhecimento de nós próprios, da nossa natureza, dos nossos defeitos, virtudes e potencialidades.
O ser humano é uma caixa de surpresas, pois no seu interior existem vários elementos que nem ele próprio conhece. Daí a importância da Filosofia, pois ela proporciona os meios para que o homem rompa o véu que tolda a sua visão e, assim, consiga ver aquilo que realmente é e, deste modo, depois de constatar as suas potencialidades, as consiga transformar em actos, em concretizações.
E é aí que entra a Vocação. Etimologicamente a palavra deriva do latim «vocare» que quer dizer «chamado» ou «convocação». Mas esta chamada não está relacionada com uma profissão, mas sim com algo superior: a plena realização da natureza do indivíduo. Assim, aquele que consegue actuar dentro da sua vocação e trabalha com aquilo que faz parte da sua natureza encontra a sua realização e, consequentemente, a felicidade na vida.
Nesse sentido, deixo uma frase do célebre filósofo chinês Confúcio, que dedicou uma grande parte dos ensinamentos ao desenvolvimento do ser humano: «Escolhe um trabalho que ames e não terás que trabalhar um único dia da tua vida.» Para o pensamento chinês, se um indivíduo conseguisse manifestar o seu potencial naquilo que fazia e que a sua acção beneficiasse não só a ele, mas também a tudo em seu redor, ele teria encontrado a sua via (o Tao, a via realizante propagada na China antiga).
Assim sendo, o mais importante para o homem não é procurar um emprego que proporcione fama, riqueza ou honrarias, mas sim um para o qual tenha uma propensão, onde possa realizar-se verdadeiramente como indivíduo e manifestando qualidades como inteligência, perseverança, vontade, discernimento, memória, atenção, etc., elementos que moram no interior de cada um, mas que, nos dias que correm, raramente são bem explorados.
Vocação não é possível sem Filosofia, pois não existe a possibilidade de atendermos a um chamado da nossa natureza se não soubermos quem somos na realidade. E para descobrimos isso há que ter sempre presente o conselho que o grande filósofo grego, Sócrates, transmitia aos seus discípulos: «CONHECE-TE A TI MESMO.»
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quinta-feira, 25 de março de 2010
Lenda Sioux sobre o Amor
O Amor é um sentimento extremamente abordado por pensadores, filósofos, artistas, poetas ou contadores de histórias. O Amor é algo que ainda hoje o ser humano não compreende totalmente, e menos ainda consegue aplicar. Uma das formas de procurar entender o que é essa força que faz o coração do Homem ultrapassar tudo e sacrificar-se pelo bem da pessoa amada é através de lendas.
Encontrei esta, que pertence aos índios Sioux da América do Norte, e que nos mostra um dos elementos - a meu ver - importante relacionado com o Amor. Apreciem e reflictam.
«Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas, até a tenda do velho feiticeiro da tribo:
— Nós nos amamos, e vamos nos casar — disse o jovem. — E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã, alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos, que nos assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo que possamos fazer?
E o velho, emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse:
— Tem uma coisa a ser feita, mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada... Tu, Nuvem Azul, deves escalar o monte a norte desta aldeia, e apenas com uma rede e as tuas mãos, deves caçar o falcão mais vigoroso do monte e trazê-lo aqui com vida, até ao terceiro dia depois da lua cheia. E tu, Touro Bravo — continuou o feiticeiro — deves escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a para mim, viva!
Os jovens abraçaram-se com ternura, e logo partiram para cumprir a missão recomendada. No dia estabelecido, à frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco. O velho pediu que, com cuidado, as tirassem dos sacos e viu que eram verdadeiramente formosos exemplares...
— Agora — disse o feiticeiro, apanhem as aves e amarrem-nas entre si pelas patas com essas fitas de couro; quando as tiverem amarrado, soltem-nas, para que voem livres.
O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado e soltaram os pássaros. A águia e o falcão tentaram voar, mas apenas conseguiram saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela incapacidade de voar, as aves arremessaram-se entre si, bicando-se até se magoarem. O velho disse:
— Jamais esqueçam o que estão a ver; este é o meu conselho: Vocês são como a águia e o falcão; se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, mais cedo ou mais tarde, começarão a magoar-se um ao outro. Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados
.»— Jamais esqueçam o que estão a ver; este é o meu conselho: Vocês são como a águia e o falcão; se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, mais cedo ou mais tarde, começarão a magoar-se um ao outro. Se quiserem que o amor entre vocês perdure, voem juntos, mas jamais amarrados
segunda-feira, 15 de março de 2010
A Viagem do Profeta
As obras de Khalil Gibran, «O Profeta» e «O Jardim do Profeta», são duas das obras mais inspiradas do século XX. Aprovietando a riqueza de ensinamentos que são veiculados nestes escritos a Nova Acrópole de Lisboa realizou uma encenação teatral adaptando as duas obras originando «A Viagem do Profeta», que foi apresentada ao público no dia 12 de Março, no espaço D. Dinis em Lisboa.
Na minha opinião a representação correu muito bem. Notou-se intensidade nos actores, que sendo amadores, foram à essência desta palavra (o que ama) transmitindo todo o seu empenho e dedicação em prol do teatro.
O teatro, mais do que uma forma de entretenimento, é um modo de transformar as pessoas, quer as que participam activamente (actores), quer aqueles que assistem (público). Na Grécia clássica temos o exemplo do Teatro Mistérico, dividido em Tragédia, Drama e Comédia, que tocavam vários aspectos da vida humana, permitindo ao Homem aceder a realidades psicológicas. O teatro era uma forma de o ser humano se conhecer a si próprio, de experimentar diversas sensações que lhe iriam abrir caminho para o seu interior. No fundo tratava-se de uma operação alquímica que ia transmutando aqueles que participavam e assistiam às peças.
Assim, interpretar os textos de Khalil Gibran não é somente um meio de transmitir ensinamentos, mas de vivenciá-los e de procurar assimilá-los tornando cada um dos seus textos propriedade individual.
Para terminar deixo um dos textos de «O Profeta» sobre o Amor. Que sirva de reflexão.
«Quando o amor vier ter convosco,
Segurai-o embora os seus caminhos sejam árduos e sinuosos.
E quando as suas asas vos envolverem, abraçai-o, embora a espada oculta sob
as asas vos possa ferir.
E quando ele falar convosco, acreditai,
Embora a sua voz possa abalar os vossos sonhos como o vento do norte
devasta o jardim.
Pois o amor, coroando-vos, também vos sacrificará. Assim como é para o
vosso crescimento também é para a vossa decadência.
Mesmo que ele suba até vós e acaricie os mais ternos ramos que tremem ao
sol,
Também até às raízes ele descerá e abaná-las-á
Enquanto elas se agarram à terra.
Como molhos de trigo ele vos junta a si.
Vos amanha para vos pôr a nu.
Vos peneira para vos libertar das impurezas.
Vos mói até à alvura.
Vos amassa até vos tomardes moldáveis;
E depois entrega-vos ao seu fogo sagrado, para que vos tomeis pão sagrado
para a sagrada festa de Deus.
Toda estas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso
coração, e, com esse conhecimento, vos tomeis um fragmento do coração da
Vida.
Mas se, receosos, procurardes só a paz do amor e o prazer do amor,
Então é melhor que oculteis a vossa nudez e saiais do amor,
Para o mundo sem sentido onde rireis, mas não com todo o vosso riso, e
chorareis mas não com todas as vossas lágrimas.
O amor só se dá a si e não tira nada senão de si.
O amor não possui nem é possuído;
Pois o amor basta-se a si próprio.
Quando amardes não deveis dizer «Deus está no meu coração», mas antes
«Eu estou no coração de Deus».
E não penseis que podeis alterar o rumo do amor, pois o amor, se vos achar
dignos, dirigirá o seu curso.
O amor não tem outro desejo que o de se preencher a si próprio.
Mas se amardes e tiverdes desejos, que sejam esses os vossos desejos:
Fundir-se e ser como um regato que corre e canta a sua melodia para a noite.
Para conhecer a dor de tanta ternura.
Ser ferido pela vossa própria compreensão do amor;
E sangrar com vontade e alegremente.
Despertar de madrugada com um coração alado e dar graças por mais um dia
de amor;
Repousar ao fim da tarde e meditar sobre o êxtase do amor;
Regressar a casa à noite com gratidão;
E depois adormecer com uma prece para os amados do vosso coração e um
cântico de louvor nos vossos lábios.»
Na minha opinião a representação correu muito bem. Notou-se intensidade nos actores, que sendo amadores, foram à essência desta palavra (o que ama) transmitindo todo o seu empenho e dedicação em prol do teatro.
O teatro, mais do que uma forma de entretenimento, é um modo de transformar as pessoas, quer as que participam activamente (actores), quer aqueles que assistem (público). Na Grécia clássica temos o exemplo do Teatro Mistérico, dividido em Tragédia, Drama e Comédia, que tocavam vários aspectos da vida humana, permitindo ao Homem aceder a realidades psicológicas. O teatro era uma forma de o ser humano se conhecer a si próprio, de experimentar diversas sensações que lhe iriam abrir caminho para o seu interior. No fundo tratava-se de uma operação alquímica que ia transmutando aqueles que participavam e assistiam às peças.
Assim, interpretar os textos de Khalil Gibran não é somente um meio de transmitir ensinamentos, mas de vivenciá-los e de procurar assimilá-los tornando cada um dos seus textos propriedade individual.
Para terminar deixo um dos textos de «O Profeta» sobre o Amor. Que sirva de reflexão.
«Quando o amor vier ter convosco,
Segurai-o embora os seus caminhos sejam árduos e sinuosos.
E quando as suas asas vos envolverem, abraçai-o, embora a espada oculta sob
as asas vos possa ferir.
E quando ele falar convosco, acreditai,
Embora a sua voz possa abalar os vossos sonhos como o vento do norte
devasta o jardim.
Pois o amor, coroando-vos, também vos sacrificará. Assim como é para o
vosso crescimento também é para a vossa decadência.
Mesmo que ele suba até vós e acaricie os mais ternos ramos que tremem ao
sol,
Também até às raízes ele descerá e abaná-las-á
Enquanto elas se agarram à terra.
Como molhos de trigo ele vos junta a si.
Vos amanha para vos pôr a nu.
Vos peneira para vos libertar das impurezas.
Vos mói até à alvura.
Vos amassa até vos tomardes moldáveis;
E depois entrega-vos ao seu fogo sagrado, para que vos tomeis pão sagrado
para a sagrada festa de Deus.
Toda estas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso
coração, e, com esse conhecimento, vos tomeis um fragmento do coração da
Vida.
Mas se, receosos, procurardes só a paz do amor e o prazer do amor,
Então é melhor que oculteis a vossa nudez e saiais do amor,
Para o mundo sem sentido onde rireis, mas não com todo o vosso riso, e
chorareis mas não com todas as vossas lágrimas.
O amor só se dá a si e não tira nada senão de si.
O amor não possui nem é possuído;
Pois o amor basta-se a si próprio.
Quando amardes não deveis dizer «Deus está no meu coração», mas antes
«Eu estou no coração de Deus».
E não penseis que podeis alterar o rumo do amor, pois o amor, se vos achar
dignos, dirigirá o seu curso.
O amor não tem outro desejo que o de se preencher a si próprio.
Mas se amardes e tiverdes desejos, que sejam esses os vossos desejos:
Fundir-se e ser como um regato que corre e canta a sua melodia para a noite.
Para conhecer a dor de tanta ternura.
Ser ferido pela vossa própria compreensão do amor;
E sangrar com vontade e alegremente.
Despertar de madrugada com um coração alado e dar graças por mais um dia
de amor;
Repousar ao fim da tarde e meditar sobre o êxtase do amor;
Regressar a casa à noite com gratidão;
E depois adormecer com uma prece para os amados do vosso coração e um
cântico de louvor nos vossos lábios.»
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