segunda-feira, 28 de julho de 2008

As Crónicas de Narnia II




Outro dos elementos interessantes deste filme foi sobre o comportamento dos governante. No princípio da história ficamos a conhecer o Príncipe Caspian, o herdeiro do trono; mais tarde aparecem os protagonistas, que eram chamados dos Reis do Antigamente.

Peter, o mais velho dos irmãos era o regente da altura. Começa-se a notar que, mais cedo ou mais tarde, iria haver algum confronto devido a existirem «dois galos para um poleiro». A primeira cisão ocorre quando se debate que acção tomar para combater o Lord Miraz. Caspian pretendia fortificar o sítio onde se encontravam e Peter atacar o castelo. Surge logo uma cisão entre os que defendem uma acção e os que defendem outra. No entanto, Caspian, respeitando aquele que era o Regente, acata a solução de ataque ao castelo.

Aí é quando acontece uma situação que irá ter consequências graves. O ataque falha devido ao facto de tanto Caspian, como Peter não chegarem a acordo em relação às acções a efectuar: Caspian pretende resgatar o seu Mestre, Peter queria que ele fosse para o portão comandar as tropas, por exemplo.

Numa altura em que a guarda do castelo já se encontrava quase posicionada, Peter esforça-se por abrir o portão. Uma das suas irmãs diz-lhe que talvez fosse melhor abortar, pois o ataque surpresa falhara. No entanto ele não dá ouvidos e diz: «Não, eu consigo.», o que leva a irmão a perguntar-lhe, «Afinal, por quem é que estás a fazer isto?».

A teimosia de Peter leva a consequências drásticas, pois as suas tropas são derrotadas. Um autêntico massacre ocorre no pátio; quando é dada a ordem de retirada alguns têm tempo de fugir, mas Peter ainda pode ver aqueles que ficaram presos atrás das grades da porta principal a ser mortos.

Tudo isto fez-me reflectir sobre o papel que o governante deve ter na condução do seu povo. Confúcio e Platão dedicaram parte dos seus pensamentos a isso. Ambos falavam do Governante como o mais justo, o mais sábio e o mais harmonioso entre os homens. Na República, Platão refere que, se numa sociedade aquele que faz melhor sapatos deveria fazê-los para todos, porque iam ser bem fabricados, também aquele que fosse mais justo deveria ser o que iria governar.

Confúcio fala-nos das virtudes do Homem Ju, o homem virtuoso. Era aquele que era comedido, mas convicto nas suas ideias, não se deixava controlar pelas emoções, pelas paixões, nem cegar-se pelo orgulho, cultiva a humildade, mas sem ser em demasia, amava as virtudes e tentava aplicar cada uma delas nele próprio, antes de as procurar aplicar ao seu povo. Estas são as características que deveriam imperar no Governante.
No filme, Peter peca pelo orgulho, ele queria demonstrar que estava à altura de comandar as coisas, pois via-se perante a ameaça de Caspian, que era apreciado pelos outros seres de Narnia. O problema é que as consequências do erro de um governante podem ser desastrosas para os que ele comanda, neste caso a morte de quase metade das suas tropas.

Na cena em que, depois de regressarem ao seu refúgio, Peter e Caspian caminham lado a lado silenciosos, a minha amiga (a tal que proporcionou a companhia agradável) disse: «Agora ele tem que reconhecer o erro dele.» Porém, não foi isso que aconteceu, ele culpa Caspian pelo fracasso, pois ainda se encontra cego pelo orgulho. O Príncipe riposta e ambos trocam acusações.

Frustrado, Caspian retira-se e é abordado por um anão que lhe diz que tem o poder de lhe dar o trono. Cedendo à tentação, o jovem segue o seu intelocutor para descobrir que era a feiticeira má que lhe iria proporcionar isso. No momento em que ela estava quase a conseguir libertar-se Peter e os irmãos aparecem e conseguem evitar a sua fuga. Caspian tinha errado, pois tinha-se deixado levar pela frustração e pela ânsia ocupar o seu lugar de Rei.

Estes erros, ceder ao orgulho, à frustração, em pessoas sem grandes responsabilidades não causariam, provavelmente, grande transtorno, a não ser para a própria pessoa. Porém, num governante ceder aos maus hábitos e ao seu lado menos bom é fatal.

Imaginem uma toalha de mesa branca. Se ela já tiver alguma mancha, caso fique mais outra ela passará um pouco despercebida; mas numa toalha totalmente branquinha, limpinha, a mais ínfima das manchas chama logo a atenção.

Assim, no governante, são os seus maus exemplos que ficarão retidos na memória do povo e conseguir limpar isso é extremamente difícil. Ao contrário do que se pensa, o papel de um governante era uma tarefa árdua nos tempos clássicos, pelo menos para aqueles que seguissem as regras de conduta proferidas por Platão e Confúcio.

Para terminar uma pequena história sobre a verdadeira responsabilidade do Governante.

Quando Antonino Pio foi nomeado Imperador, a seguir à morte de Adriano, a sua esposa ficou contentíssima, pois ia ser Imperatriz e iria ter poder. Porém, Antonino, que era um homem bastante sábio, replicou-lhe: «Mas então tu não sabes que agora que me tornei Imperador nós ficamos sem posses privadas?» De facto, aquele que se tornava governante em Roma teria que pôr todos os seus bens pessoais ao serviço do Estado. Ele era como um pai que se sacrifica para educar e alimentar a sua família, se para isso tivesse que abdicar dos seus bens, ele faria isso, mas com esse sacrifício mantinha a ordem da qual era o esteio.


2 comentários:

Seshat disse...

Mesmo em eras doiradas era difícil encontrar as pessoas certas nos lugares certos, podias ter um bom rei mas ao mesmo tempo um séquito interessante de conselheiros untuosos a maquinarem permanentemente esquemas que favorecessem as suas pretensões. Numa era como a de hoje, nem sequer faz muito sentido mencionar reis ou governantes, existem cadeiras de poder e homens que rotativamente exercem funções quando sentados nelas, e exercem-nas em nome de tudo e mais alguma coisa: de carros caros, bons jantares, viagens, amantes ambiciosas. Nem vale a pena tentar compreender onde começa e acaba a pirâmide invertida. Actualmente os herdeiros ao poder, mesmo em lugares pequenos, insignificantes, seja num escritório, num restaurante ou numa escola nem sequer reconhecem o benefício da humildade na proporção certa, pois prevalece a ideia de que só os tolos e os incapazes têm razões para serem humildes. O facho da arrogância ergue-se por toda a parte como um machado de poder, as escolhas,(facilmente idêntificaveis, pois o nosso Eu aterrorizado tem tendência a farejá-las habilmente) residem em segui-lo ou observa-lo com neutralidade. E não creio que a filosofia enquanto discurso, enquanto texto doutrinário possa fazer algo para inverter este louvor fervosoro da "personalidade animal", mascarada de "conveniência social".
Qualquer pessoa aprende a citar, até um papagaio consegue aprender algumas linhas de poesia, as palavras são apenas pistas, ou passos de uma receita alquimica que deve ser colocada em prática, porque se um alquimista se fechar no seu laboratório limitando-se a citar epicamente uma receita, nenhuma transmutação irá ocorrer. Talvez este seja um dos maiores flagelos dos nossos tempos; obrigada por mais um post de excelente qualidade como vai sendo hábito. :)

Rurouni disse...

Obrigado eu pelos teus comentários. Nota-se que és uma pessoa que reflecte muito nos assuntos, pois demonstras uma grande profundidade nas ideias. Espero poder continuar com a tua participação na partilha de ideias.